(FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, disse pela primeira vez de forma clara que seu país não tem força militar para retomar seus territórios conquistados pela Rússia. “Nosso Exército não tem força para fazer isso. Esta é a verdade”, afirmou à agência de notícias japonesa Kyodo News.
A admissão publicada nesta segunda (2) veio com um reforço de sua nova tese para tentar encerrar o conflito, que abandona o princípio de não ceder nenhum território. “Nós temos que encontrar soluções diplomáticas [para recuperá-los] somente quando nós soubermos que somos fortes os suficiente”, disse.
Na sexta (29), ele havia dito à rede britânica Sky News que aceitaria congelar a guerra nas linhas atuais, ceder territórios “temporariamente” à Rússia para negociar depois. Em troca, pede que a Otan emita o convite para a Ucrânia entrar no clube militar reconhecendo apenas os 80% do território que Kiev controla.
É uma saída que tem sido descrita por observadores tanto como engenhosa quanto fútil, dada a resistência tanto em Bruxelas quanto em Moscou ao arranjo.
Do ponto de vista da aliança liderada pelos Estados Unidos, não há no artigo 10 do Tratado do Atlântico Norte de 1949 nenhuma proibição explícita para admissão de membros em guerra, mas esta é a praxe do clube pois o artigo 5 determina que todos os integrantes socorram um país do clube que esteja sob ataque.
Assim, admitir a Ucrânia equivaleria a declarar guerra à Rússia, algo com consequências potencialmente apocalípticas. O fatiamento que Zelenski propõe, deixando de fora a Crimeia e as faixas no leste e sul do país sob controle de Putin, parece de difícil digestão.
Ele estará colocado à mesa da reunião de chanceleres dos 32 membros da Otan, que ocorre nesta terça (3) e quarta (4). A mudança de discurso por parte de Zelenski visa pressionar a aliança com um tema que antes era apenas especulativo.
Do ponto de vista russo, o Kremlin vem dizendo repetidamente que não quer congelar a guerra nas linhas atuais -não menos porque está avançando bastante neste ano, particularmente buscando o colapso das defesas de Kiev em Donetsk (leste).
Isso não quer dizer que não haja espaço para conversas. Segundo uma pessoa com trânsito no centro do poder russo disse à Folha, emissários do poderoso chefe de gabinete de Zelenski, Andrii Iermak, encontraram-se com diplomatas russos para debater o tema em Doha no mês passado.
Em Donetsk, a reportagem ouviu no fim de outubro de um importante político local que telefonemas de membros da elite em Kiev para debater cenários para o pós-guerra são mais comuns do que a situação permite supor.
Nesta segunda, a presidente do Senado russo, Valentina Matvienko, disse acreditar “em caráter pessoal” que as negociações de paz deverão começar no ano que vem. Tudo isso sugere que algo pode se mover a partir da mudança de posição de Zelenski.
A China é o ator que mais trabalha por isso, tendo sugerido em conjunto com o Brasil a realização de uma conferência de paz com os beligerantes e seus aliados. Até aqui, a proposta vinha sendo bloqueada em Kiev e no Ocidente, mas isso pode mudar.
Ou não, devido ao que Zelenski disse à Kyodo News ser um “momento complicado” da guerra, quando todos os atores esperam a chegada de Donald Trump ao poder nos EUA para ver qual será o rumo dado pelo novo presidente ao apoio a Kiev.
A entrada em cena da ameaça de mísseis balísticos poderosos da Rússia, desenhados para ataques nucleares, aumentou ainda mais a pressão.
Putin disse na semana passada que o novo modelo em teste, o Orechnik (aveleira, em russo), poderia ser usado contra “centros de decisão em Kiev”, ou seja, para matar Zelenski. Retórica à parte, a resposta russa ao emprego autorizado pelos EUA de mísseis com mais alcance contra alvos em seu território causou impacto.
A volúpia inicial de Zelenski em disparar os ATACMS americanos e Storm Shadow franco-britânicos parece ter arrefecido um pouco, por ora, enquanto o presidente ajusta o discurso.
Nesta segunda, ele recebeu o premiê alemão, Olaf Scholz, após criticá-lo por ter falado ao telefone com Putin. O primeiro-ministro, que não visitava Kiev desde os primeiros dias da guerra em 2022, prometeu apoio continuado e anunciou um pacote equivalente a R$ 4,1 bilhões em armas para os ucranianos.
Já a ação russa segue contra seu sistema energético. Depois de mega-ataques na semana passada, Moscou voltou à carga nesta segunda com ao menos 110 drones lançados contra o vizinho, 52 dos quais Kiev disse ter abatido. Uma pessoa morreu em Ternopil.
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