VICTÓRIA MACEDO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para Leila Pereira, “o futebol não precisa mais de ideias”, “todo o mundo sabe o que tem que ser feito”. A questão, segundo ela, é “ter coragem, ter boa-fé e tomar as decisões”.
É essa a linha adotada pela empresária de 59 anos em sua tentativa de ser reeleita presidente do Palmeiras, no pleito marcado para 24 de novembro -Savério Orlandi é o candidato da oposição. Ela busca o segundo mandato para um cargo no qual, assegura, não pensava inicialmente.
“Você não pode perder as oportunidades que a vida apresenta. Quando comecei como patrocinadora em 2015, eu não imaginava ser presidente”, afirmou à Folha, confiante de que a rotina alviverde de conquistas lhe dê a preferência dos sócios: “Hoje, é difícil ser oposição no Palmeiras”.
Suas empresas, a Crefisa e a FAM, estão na reta final de uma longa parceria com o clube, que busca um novo patrocinador máster. Ela não descarta a possibilidade de acertar com uma casa de apostas, mas diz que ela precisa ter credibilidade.
Única mulher que atualmente preside um clube da Série A ou da Série B do Campeonato Brasileiro, Leila falou nesta entrevista sobre seus conceitos de administração e também sobre a posição que ocupa em um mundo tradicionalmente masculino.
“Não tenho medo de absolutamente nada”, disse, vestida com uma camisa estampada com palmeiras.
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*Folha – Você se pronunciou sobre os casos de violência contra a mulher envolvendo Daniel Alves e Robinho. Por que sentiu a necessidade de falar?
Leila Pereira – Eu não tenho medo de falar a verdade. Quem fala a verdade nunca erra, porque a verdade é uma só. E a gente realmente não pode deixar que casos como esses, de abusos, de violência contra a mulher, passem como se fosse uma coisa normal, porque não é normal. Não é normal. Então, eu, na minha posição como presidente de um grande clube, preciso me posicionar até para estimular as mulheres a não se calar. A melhor forma de combater a violência contra a mulher é denunciando. Porque o agressor gosta de ficar no escuro, na penumbra. Quando ele é exposto, ele mostra a sua fragilidade, e aí a gente pode combater esse tipo de coisa. Eu sou uma mulher que não tem medo de absolutamente nada.
Folha – Os clubes brasileiros são coniventes com condutas impróprias dos jogadores?
Leila Pereira – Olha, pode ser até que haja isso. Aqui no Palmeiras, não. Não sei se porque sou mulher, eu tenho uma empatia muito grande com outras mulheres e não deixo passar.
Recentemente, no nosso clube social, houve uma denúncia na ouvidoria de um conselheiro vitalício importunando sexualmente menores de idade dentro do elevador. Um conselheiro vitalício. Houve uma denúncia em uma ouvidoria do pai de uma dessas meninas, eu chamei os pais dessa menina para conversar comigo e fiquei muito comovida com o que eu ouvi.
Eu determinei a suspensão desse conselheiro vitalício por 90 dias. E ele vai ser julgado, as pessoas estão sendo ouvidas, as meninas que foram importunadas, esse conselheiro também será ouvido, será feito um relatório, e essa sindicância vai para votação do conselho. As pessoas estão vendo que dentro do Palmeiras a presidente toma atitude quando ocorrem esses fatos graves.
*Folha – Você já teve uma relação próxima com a Mancha Verde; não tem mais. Por que a relação foi estremecida?
Leila Pereira – O Palmeiras tem cerca de 20 milhões de torcedores, 20 milhões de torcedores apaixonados. É uma responsabilidade muito grande ser presidente de um clube tão gigante. Eu não tenho dúvida de que o nosso maior patrimônio são os nossos torcedores. Eu procuro sempre fazer o melhor para o Palmeiras para que a gente consiga responder em campo os anseios do nosso torcedor. Qual o anseio do nosso torcedor? Conquistar títulos.
São muitos títulos, é uma gestão histórica. No profissional, nós tivemos sete títulos; no feminino, dois títulos; na base, uma infinidade de títulos; que totalizam 31 títulos conquistados. É essa a resposta que o torcedor quer, mas agradar 100% é impossível. Eu me fixo sempre nessa parte da torcida que reconhece o esforço de cada um de nós, tanto da dirigente como dos profissionais, dos atletas.
Folha – O candidato da oposição na próxima eleição, Savério Orlandi, conselheiro do Palmeiras há 23 anos, disse que vê hoje um Palmeiras de patrulhamento, intimidações. O que ele quis dizer, na sua percepção?
Leila Pereira – Isso me causa estranheza. Só se intimida a ele pelo número de títulos que nós conquistamos. Porque, quando ele foi diretor de futebol, conquistou um título no profissional. Um. Eu, no profissional masculino, conquistei sete. É o autêntico sete a um.
Eu sou uma pessoa extremamente democrática, extremamente aberta, transparente, estou sempre no clube. Isso é conversa de oposição, não tenho o que falar. Hoje o nosso clube é vitorioso esportivamente, é equilibrado financeiramente, as nossas contas são transparentes. Eu exponho no Conselho de Orientação e Fiscalização todas as contas do Palmeiras, abertamente. Hoje é difícil ser oposição no Palmeiras. Então, ele tem que dizer que sofre intimidação. É até curioso um homem dizer que está intimidado por uma mulher. São outros tempos, viu?
Folha – Como foi estar e manter-se nessa posição no Palmeiras?
Leila Pereira – Você não pode perder as oportunidades que a vida apresenta. Quando eu comecei como patrocinadora em 2015, eu não imaginava ser presidente do Palmeiras. Mas o nosso patrocínio, com o nosso investimento, foi muito importante para o nosso clube.
A minha empresa tem muita credibilidade no mercado. E no futebol o que falta, muitas vezes, é credibilidade. Nós trouxemos a nossa credibilidade aqui para o Palmeiras. Quando eu comecei a patrocinar, com o investimento que foi colocado aqui, o Palmeiras começou uma sequência de títulos. Eu falei que podia ajudar o Palmeiras, não só financeiramente, mas também com a minha experiência como empresária.
Eu delego demais porque você não consegue resolver as coisas sozinho, tem que ter boas pessoas ao seu lado. É difícil falar das suas qualidades, mas eu tenho uma qualidade interessante, aliás, duas: eu tenho coragem e gosto de decidir. Há pessoas que não gostam de decidir, ficam em cima do muro. Eu, não. Eu gosto de decidir. E sem medo. Porque, se você erra, é simples, volta atrás, conserta. Para administrar um clube deste tamanho, precisa ter coragem e precisa gostar de decidir. E também ser correta. Porque todo o mundo sabe o que é o certo.
Esse candidato à oposição diz que teria que ter mais debates de ideias. Essa criatura está há 23 anos como conselheiro só debatendo ideias. Na prática, o que ele efetivou? Nada! Então, não adianta você ter só ideias. O futebol não precisa mais de ideias. Todo o mundo sabe o que é correto, o que tem que ser feito. E o negócio é ter coragem, ter boa-fé e tomar as decisões.
Folha – Esse pensamento vem de seu lado empresária?
Leila Pereira – Claro que sim. Eu administro o Palmeiras como se fosse uma empresa. Mas o clube tem peculiaridades porque ele tem a paixão do torcedor. Uma empresa não tem essa paixão. Mas, no dia a dia, com os meus profissionais, eu trato o Palmeiras como se fosse uma empresa. É por isso que as coisas dão certo aqui.
O que a gente não pode perder é essa linha de trabalho profissional, tirando a política do futebol, que aqui no futebol não existe política. Aqui é profissionalismo puro, política a gente faz no clube social. Se você perde esse caminho, o Palmeiras volta ao que era há dez anos.
Folha – Acha que falta essa visão, de maneira geral, no futebol brasileiro?
Leila Pereira – Eu não tenho dúvida, hoje eu vejo que o Palmeiras é um exemplo de administração para o futebol brasileiro. Mas aí cabe aos outros clubes ter essa mentalidade também, de afastar a política do dia a dia do futebol e ter ao seu lado profissionais competentes. Não porque “olha, eu tenho um acordo político”, “olha, para o conselheiro me apoiar, tenho que colocar esse profissional”. Aqui nós colocamos os profissionais pela capacidade, não pela indicação. Se não seguem esse tipo de pensamento, os clubes são fadados ao fracasso e quebram. Aliás, está cheio de clube quebrado por aí, só não fechou as portas. Aí vira a SAF [Sociedade Anônima do Futebol], vêm essas empresas que ninguém sabe de onde vieram e compram o clube por absolutamente nada. Esse é o resultado.
A maioria dos presidentes de clubes são imediatistas, querem ganhar o próximo campeonato. Se o clube está quebrado, dane-se. Esquece que o clube é eterno. Entra o próximo presidente, vai olhar as contas, completamente arruinadas. E o dirigente não se responsabiliza por absolutamente nada. São esses os problemas que precisam ser enfrentados com racionalidade, pensando no clube e pensando nos milhões de torcedores que querem um resultado agora, mas pensando que vai sofrer lá na frente, porque o clube não vai aguentar. Está cheio de exemplos. Por isso que eu falo: administrar um clube de futebol não é difícil, você tem que ter pulso, tem que aguentar a pressão.
*Folha – O patrocínio de longa data ao Palmeiras da Crefisa e da FAM, empresas suas, chega ao fim em dezembro. Como avalia esse patrocínio e como andam as negociações de um novo?
Leila Pereira – Às vezes, eu digo que isso não é nem um patrocínio, é uma parceria. Mas foi uma parceria de dez anos até agora, muito vitoriosa. Um patrocínio forte faz um time forte, é um slogan que a gente tem na minha empresa. Claro, não foi o patrocínio só, foram os profissionais, o Allianz Parque, que também foi incrível nessa jornada do Palmeiras, esses últimos dez anos, extremamente vitoriosos.
Então, foi uma parceria de extremo sucesso. Mas tudo tem um ciclo na vida, não é? E eu acho que o ciclo da Crefisa e da FAM está terminando. Óbvio, o Palmeiras é gigante, o Palmeiras é um clube centenário. Eu não tenho dúvida de que outras marcas vão se interessar pela camisa do Palmeiras. O nosso departamento de marketing está trabalhando com essas empresas. Não fechamos nada por enquanto, mas estamos no mercado.
Folha – Qual é a sua visão sobre o patrocínio de casas de apostas a clubes de futebol e quão aberto o Palmeiras está para negociar com elas?
Leila Pereira – As casas de apostas não estão no Brasil, estão no mundo. Você tem que conviver com essas empresas. Há empresas com credibilidade, há empresas que não têm tanta credibilidade. O que eu quero na camisa do Palmeiras são empresas sérias que tenham a capacidade de honrar os compromissos com o Palmeiras. Esse é o perfil da empresa que vai colocar as suas marcas na camisa do Palmeiras. Seja de “bets”, seja de automóvel, seja de instituição financeira, mas empresas com credibilidade.
*Folha – A Esportes da Sorte, envolvida em denúncias de lavagem de dinheiro, patrocina o time feminino do Palmeiras.
Leila Pereira – Pelo contrato, todo o futebol do Palmeiras, masculino e feminino, profissional e base, é exclusividade da Crefisa e da FAM. Mas, para conseguir colocar mais investimentos no Palmeiras, abri mão do feminino sem reduzir o valor do patrocínio da Crefisa e da FAM, para que pudesse outro patrocinador estampar a camisa do feminino e investir num valor a mais.
No ano passado, nós tivemos a Betfair; neste ano, a Esportes da Sorte. O contrato deles é até dezembro agora, mas está tendo problemas, eles não conseguiram registrar a empresa conforme o decreto. Então, infelizmente, nós estamos conversando com eles, que, se eles não regularizarem a situação, nós vamos precisar tomar providências. Que providências? Retirar a marca da camisa do feminino.
Folha – O time feminino do Palmeiras tem dois títulos sob sua gestão, o Paulista e a Copa Libertadores. Como fazer com que ele cresça?
Leila Pereira – É investimento. Futebol se faz com investimento. Então, por isso, é importante um patrocinador sério que consiga honrar os compromissos com o clube. Assim, eu posso melhorar o centro de treinamento, a qualificação do nosso elenco. É com isso que a gente melhora o nosso futebol feminino: investimento e tempo também. Eu gostaria muito de ter o público do futebol profissional masculino no futebol feminino. Eu acho que isso, com o tempo, você consegue. E com investimento e com muito trabalho.
Por eu ser mulher, as pessoas me cobram muito que o futebol feminino tenha mais visibilidade, mas sozinha eu não consigo. Preciso que as pessoas se interessem e frequentem mais os estádios no futebol feminino.
Folha – Você teve que vestir uma armadura de alguma forma para ganhar o respeito das pessoas neste meio?
Leila Pereira – Não. Eu acho que é por causa do meu temperamento. Porque eu sempre trabalhei muito. Eu sou a principal executiva das empresas do meu marido, que são banco, financeira, seguradora, faculdade, várias empresas. Eu não sou uma pessoa muito frágil, porque uma das características de algumas mulheres é a fragilidade. Nunca deixei de ser respeitada por ser mulher. As pessoas veem isso, que eu luto muito, eu me dedico demais.
Dizem que o Palmeiras é um clube de origem italiana e machista. Se fosse tão machista, eles não teriam me apoiado, porque eu fui eleita, a grande maioria dos titulares de sócios do Palmeiras são homens. E eles viram numa mulher uma pessoa capaz de administrar este clube gigante. A questão não é o gênero, é a capacidade. Eu entendo quando me falam: “Leila, mas o futebol é um ambiente muito masculino”. Claro que é, mas nós mulheres temos que lutar para quebrar essas barreiras.
Lembra uma entrevista que eu dei grande só para mulheres? Eu convidei só mulheres porque na grande maioria das vezes em que eu dou entrevista coletiva só aparecem homens. Mas por que as emissoras não se atentam a isso e mandam mulheres? É muito estrutural esse problema do machismo. Eu não resolvo isso sozinha. Eu não posso ficar exigindo, porque há rapazes fantásticos também. Então, isso tem que ser uma conscientização de todos, das oportunidades idênticas para homens e mulheres.
Folha – Você pensa em atuar na CBF?
Leila Pereira – O que eu gostaria é de ser reeleita presidente do Palmeiras, para continuar este trabalho com os profissionais fantásticos que tenho no dia a dia. Se no futuro eu puder colaborar na CBF ou no lugar que seja, estarei sempre à disposição para colaborar com o futebol brasileiro.Raio-X
Leila Pereira, 59
Advogada de formação, tornou-se empresária e passou a comandar a empresa de crédito Crefisa, que patrocina o Palmeiras desde 2015. Foi eleita presidente do clube em 2021 e busca a reeleição em pleito marcado para o próximo mês.