Uma idosa de 63 anos foi resgatada nesta semana de uma casa de família em Abolição, na zona norte do Rio de Janeiro, em situação análoga à escravidão.
A senhora fazia serviços domésticos havia 41 anos no local, sem receber salário. Segundo o MPT-RJ (Ministério Público do Trabalho do Rio), ela foi encontrada maltratada e desnutrida. Vizinhos afirmaram que já haviam visto a idosa catar comida do lixo.
De acordo com a procuradora do MPT-RJ, Viviann Britto, a senhora era obrigada a cuidar de um canil e capinar o terreno, inclusive em dias de calor. A idosa às vezes recolhia latinhas e vendia, mas a patroa ficava com o dinheiro.
Britto também afirma que a senhora contou que teve Covid-19 e que não recebeu o tratamento adequado, sofrendo com dores recorrentes. Ficou constatado, ainda, que a patroa sacou o auxílio emergencial da idosa e manteve os valores para si.
Segundo a procuradora, a trabalhadora não tinha acesso a celular, telefone ou televisão. Ela também não tinha relógio ou noção de tempo e espaço.
“Todos temos redes familiares, de trabalho, social. Ao longo desses 40 anos a rede dela foi minada de tal forma que ela não reconhece mais nada a não ser aquele ambiente, aquelas pessoas. Ela perdeu toda a sua rede de proteção”, diz.
Uma mulher de 51 anos também foi resgatada em situação análoga à escravidão em Vila Isabel, zona norte do Rio. Ela trabalhava para a mesma família desde 1989 e não ganhava folgas. Atualmente tomava conta de uma idosa que sofre de Alzheimer.
“Seu psicológico foi muito abalado. Ela não reconhece nada a não ser aquele lar. Falava ‘preciso voltar para casa, para a vozinha’. Foi feita a cabeça dela em relação à existência de nada mais, apenas a necessidade daquela família”, diz.
Segundo Britto, a mulher contou que a patroa lhe entregava quantias reduzidas de dinheiro, até R$ 600, utilizadas para comprar doce e bala. “Ela foi mantida infantilizada, ia para onde a família mandava. Até o falar é infantilizado, o fato de não querer sair de casa.”
Ambas as trabalhadoras foram deixadas aos cuidados de psicólogas da Cáritas Arquidiocesana, no âmbito do programa Ação Integrada. Elas estão hospedadas em um hotel até a obtenção de vaga no acolhimento institucional ou reinserção na família de origem.
As empregadoras foram intimadas a pagar as verbas rescisórias, com prazo de 10 dias para comprovação. O MPT-RJ buscará uma indenização para as vítimas compatível com o período em que viveram em situação análoga à escravidão. A punição na esfera penal cabe ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal.
As ações que resgataram as duas trabalhadores fazem parte de uma fiscalização nacional, chamada de Operação Resgate.
Realizada em 23 estados do país, ação teve início no dia 13 de janeiro e resgatou 140 trabalhadores em situações análogas à escravidão.