A Divisão de Homicídios de Niterói, ltaboraí e São Gonçalo realiza na manhã desta quinta-feira a Operação Calabar, com objetivo de cumprir mandados de prisão contra 96 PMs e 70 acusados de envolvimento com o tráfico de drogas. Os militares eram lotados no 7º BPM (São Gonçalo) entre 2014 e 2016 e são acusados de receber propina, que era chamada por eles de “meta”, além de venda de armas para 41 comunidades, entre elas Salgueiro, Santa Luzia, Santa Izabel, Jóquei, Jardim Catarina, Ocupação Coruja e Alto dos Mineiros, todas naquele município.
Às 10h25, a polícia informou que 49 PMs e sete traficantes já tinham sido presos. O cabo Fernando Cataldo Cortes foi preso em casa por volta das 6h20, em Icaraí, bairro da Zona Sul de Niterói. Outro PM foi detido em Nova Friburgo, na Região Serrana. Também há policiais das UPPs do Complexo do Alemão e do Morro do Borel capturados na operação.
Entre os traficantes presos estão Daniel Soares e Renato Drumond Tardin. Segundo as investigações, os dois também recolhiam propina para os PMs. De acordo com a Polícia Civil, o valor pago por traficantes rendia cerca de R$ 1 milhão por mês aos militares.
Os mandados de prisão e busca e apreensão para casas dos militares e unidades onde eles estão lotados atualmente – já que foram transferidos para outras unidades durantes as investigações – foram expedidos pela 2ª Vara Criminal de São Gonçalo e Auditoria da Justiça Militar.
Os policiais envolvidos atuavam nos Grupos de Ações Táticas (GAT’s); Destacamento de Policiamento Ostensivo (DPO’s), Serviço Reservado (P-2) e patrulhamento do 7º BPM.
A proprina era paga semanalmente perto do batalhão do município e até em DPO’s. No DPO do Jardim Catarina o repasse, de R$ 150 a R$ 200, era feito sempre da madrugada ou pela manhã, através de lançamento do maço de notas pela janela do destacamento.
Os militares corruptos dividiam a área onde a propina era recolhida por Grupos de Ações Táticas, que eram batizados com apelidos como GAT Marreta, GAT Mochila ou Mochilão, GAT Sombrancelhudo, GAT Fantasma I, GAT Fantasma II e GAT “B” ou GAT do Peixe ou GAT do Harduim.
O início do inquérito na DH começou com a prisão de um traficante que decidiu delatar o esquema. Gravações telefônicas e imagens de vídeos com os policiais recebendo propina também foram incluídas no processo. Ele informou que recolhia R$ 120 mil por semana para a propina dos PMs, o que resulta em cerca de R$ 480 mil mensais.
s policiais presos irão responder pelos crimes de organização criminosa armada com a participação de funcionário público (pena de 3 a 8 anos), corrupção passiva (de 2 a 8 anos) e fornecer arma de fogo (de 3 a 6 anos). O nome da operação faz referência a Domingos Fernandes Calabar, considerado o maior traidor da história brasileira.
A Operação Calabar coloca novamente o batalhão de São Gonçalo na berlinda. A juíza Patrícia Acioli foi executada na porta de casa com 21 tiros em agosto de 2011, em Niterói, por policiais do 7º BPM. A magistrada atuou em diversos processos em que os réus eram policiais militares envolvidos em mortes de suspeitos durante confronto.
Escutas flagram conversa entre PM e traficante
Em uma interceptação telefônica gravada com autorização da Justiça em 11 de dezembro de 2014 às 23h09 um traficante conversa com um PM. Eles falam do acerto no pagamento de propina para não combater o tráfico, para deixar “tudo suave”.
Traficante: Mas vocês são da grandona?
Policial:Exatamente. É da barca. A gente ia bagunçar vocês hoje aí, mas aí o amigo veio aqui e deu o papo que fechou a sintonia contigo aí.
Traficante: Fechamos a sintonia, sim, do contato
Policial: Então, veio e deu um papo e falou para não zuar vocês, não. Para deixar tudo suave.
Traficante: Nós perdemos pros parceirinhos de vocês… tá ligado… mas ficou fraco… mas tipo assim… nós vai (sic) fazer um dinheirinho aqui… vamos ver a melhor forma
Em outra conversa, em 17 de dezembro de 2014, às 23h09, o policial diz que não conseguiu pegar a propina, que na conversa eles chamam de “metinha”, pergunta se é possível mandar algum e pede meia caixa (arrego). O PM ficou irritado com traficante que não atendeu a ligação antes.
Policial: E aí do contato? Qual foi p.?
Traficante: O telefone tava na carga e vi sua ligação agora
Policial: O que acontece. Domingo a gente ficou meio f. aí não deu pra fazer a correria não. Aí, eu queia ver se tem como pegar a metinha aí
Traficante: Tem que pegar a metinha hoje
Policial: Semana passada não chegou nada…
Traficante: O bagulho tá fraquinho, mas nóis tá trocando o trabalho da rua aqui. Tem como dar uma segurada até amanhã pra nóis colocar esse bagulho novo na rua e nóis manda logo esse dinheiro teu aí, o do contato?
Policial: …Aí é f. Aí sábado já vai embolar com outro, aí vai ficar ruim
Traficante: o trabalho demorou maior tempão para poder fechar esse trabalho aí na rua, tá liago. Mas pode deixar que pelo menos uns 500
Policial: …Pô, Natal tá chegando aí vocês não dão moral.
Em ligação no dia 4 de março de 2016, às 15h22, PM oferece compra de munição para traficante.
Traficante: Fala tu
Policial: Beleza?
Traficante. Tranquilão, meu parceiro, fala tu
Policial: Interessa 20 caroços (balas) de quarenta não?
Traficante: Não tenho interesse
Policial. Tá, beleza
Traficante: Se tiver de nove (munição para pistola calibre 9 milímetros) me interessa, nove trezentos e oitenta (munição para pistola calibre 380)
Policial: O maluco deixou aqui 25 caroço (sic) para vender pra ele, fala com os amigos aí
Traficante: Ah tá, se tivesse até pegava. Hoje é quem hoje o plantão?
Policial: Mano, mudou tudo
Traficante: É?
Policial: Mudou tudo. Aquele gato preto saiu
Traficante: Saiu. Tá mais rodando não?
Policial: Não. Deve tá pra outra rota
Traficante: Ahã
Policial: Aquele cara que pegava o arrego, aquele gordinho rodou (sic)?
Traficante. É. Eu vi o gordinho rodando. O gordinho que pegava para ele, né.
PM se manifesta com nota em rede social
A Polícia Militar se manifestou no Facebook, na manhã desta quinta-feira, sobre a megaoperação que está sendo realizada pela Polícia Civil para prender 96 PMs e 70 traficantes.
“Policiais militares, todos nós iniciamos o dia de hoje incomodados pela operação que está em curso. Sentimos na própria pele toda vez que policiais militares são acusados de crimes graves. Mas não podemos deixar de ressaltar que se trata de uma operação necessária para nos fortalecer. A operação de hoje, ao contrário do que alguns querem construir, teve participação constante da Corregedoria Interna da PM, o que mostra que não foram órgãos externos que protagonizaram essa ação. Desafiamos outro órgão correcional de qualquer segmento profissional a mostrar resultados tão contundentes quanto a Corregedoria da PM na apuração de desvios e exclusão de seus agentes”.